A história inverificável da Internet

10 10 2014

Qualquer estatística acerca do volume de dados encontrado na Internet trará números gigantescos. São centenas de milhões de sites, blogs, fóruns, repositórios disponível para qualquer um que possa ter acesso a rede. Só o Facebook já conseguiria preencher grandes bibliotecas com seus inúmeros posts, vídeos, fotografias e enquetes. Além disso, há um mundo escondido na chamada deep web (muito citado, mas pouco conhecido) , segredos corporativos, governamentais ou apenas impressos, como sempre foi até algumas décadas atrás.

Tantos dados são úteis para diversos fins : observar preferências de consumidores, escolher o próximo destino para a viagem das férias, monitorar engarrafamentos nos grandes centros…entre outros. Termos como data mining ou big data emergiram justamente da necessidade lidar e principalmente obter algo proveitoso dessa abundância de informação e da observação de que boas agulhas podem ser encontradas nesse palheiro.

Mas existe uma questão que não pode ser ignorada quando estamos lidando com qualquer informação : A informação molda nossa percepção do universo e influencia no nosso processo de decisão. Nesse caso, a informação nem precisa vir de uma fonte digital. Nosso cérebro está sempre recebendo, processando e interpretando informações sobre as mais diversas situações pela qual passamos, desde a visão de uma pessoa se cortando ao manusear uma faca até a sensação de inchaço e queimação que acomete alguns após o consumo de alguns alimentos.

É devido a esse poder de influência nas nossas decisões que a informação muitas vezes adquire um viés de periculosidade. Assim como um composto químico que pode curar ou matar de acordo com a dosagem a qual se expôs, a exposição a determinados dados e a tradução destes em informações digeríveis, pode fazer de uma pessoa tanto um sábio quanto um burro.

A ocasião da escrita deste texto é bastante propícia para essa discussão : as eleições presidenciais para os próximos quatro anos. Depois das Jornadas de Junho, denominação dada as ondas de protestos ocorridas em Junho e Julho de 2013, chegamos a um pleito onde o que mais se diz é que “ninguém que está ai presta”. O sentimento de insatisfação atingiu níveis que não eram vistos pelo menos desde o movimento dos Caras Pintadas durante o governo Collor, e no momento em que existe uma grande insatisfação surgem várias pessoas sugerindo soluções. Alguns dos piores governantes que o mundo já viu subiram ao poder se aproveitando, bem, da insatisfação popular, como por exemplo Adolf Hitler. É nesse momento então que ligamos as pontas do nosso nó.

Uma eleição, em termos simples, é uma tomada de decisão coletiva, pela atribuição de poderes a um grupo de pessoas. Essa coletividade da tomada de decisão é gerada individualmente por milhões de pessoas obedecendo algumas regras previamente estabelecidas. A tomada de decisão, como já dito acima, é influenciado pelas informações disponíveis para cada um e neste ponto chegamos ao viés de periculosidade.

Em uma eleição de grande porte como as eleições gerais brasileiras, espera-se que tenhamos mais de um candidato disputando cada cargo. Sendo assim, espera-se que haja um vencedor e um perdedor e que todos os que estão na disputa queiram vencer. Entretanto, para vencer é preciso convencer as pessoas de que ele é o melhor e isso é feito através de propostas, marketing e principalmente, informações.

Esse ano, uma corrida presidencial que caminhava pra ser fria e com poucos acontecimentos acabou sendo chacoalhada pela morte do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e consequente ascensão da vice , Marina Silva, a cabeça da chapa. Logo após, ocorreu uma série de viradas nas pesquisas de intenção de voto e a ida surpreendente do candidato Aécio Neves para o segundo turno.

Neste meio tempo, como qualquer brasileiro que tenha uma conta no Facebook ou Twitter deve ter percebido, a quantidade de postagens relacionadas aos candidatos ou seus partidos cresceu absurdamente. A começar com as circunstâncias que envolveram a morte de Eduardo Campos, envolvendo condições climáticas, coincidências, denúncias de corrupção e até mesmo suspeitas de sabotagem ou atos terroristas. Logo depois, começou o processo de endeusamento do candidato falecido e da sua substituta. Por fim, no pouco tempo que restou da campanha de primeiro turno, iniciou-se um processo de desconstrução da imagem divina construída anteriormente sobre Marina Silva.

A chegada de Aécio Neves ao segundo turno, no último domingo, levou esse movimento a níveis praticamente insuportáveis. Denúncias, acusações, estatísticas e comparações vindo tanto do lado do PSDB quanto do PT inundaram a timeline de todos em tornou a navegação no site de uma experiência interessante a algo cansativo e nauseante.

Essa batalha virtual é só uma forma aguda do que já acontece todos os dias com o homem do século XXI. Diante de uma avalanche de informações, das quais nem sempre podemos extrair os metadados como origem, autor, data de criação, entre outros, temos que humildemente enfrentar um Golias sem saber onde ele exatamente se encontra, ou melhor, precisamos tomar nossas decisões sem saber exatamente o que é verdade.

Contextualizando para essas eleições, há uma série de “fatos” que o cidadão comum não pode, pelo menos com certeza, classificar como falsos ou verdadeiros, como por exemplo, o suposto vício em cocaína do senador Aécio Neves, a culpa do mesmo no tão divulgado caso de desvio de verbas da saúde enquanto era governador de Minas Gerais, a fortuna de bilhões de dólares do Lula, a culpa e responsabilidade da presidente Dilma Rousseff nos casos de corrupção envolvendo a Petrobras, entre outros. E são essas informações, junto com as convicções de cada um, que irão definir o vencedor do dia 26 e consequentemente o futuro dos brasileiros.

A disseminação de informações, verdadeiras e principalmente falsas, sobre os candidatos e partidos , tornou-se algo tão evidente e inegável, que originou até um termo novo ,MAV , sigla de militantes de ambientes virtuais, que é em geral atribuído a pessoas que defendem ferozmente o atual governo na Internet.

O pior em tudo isso é que esse fenômeno de confusão gerada pelo excesso de informações não se restringe apenas ao caso das eleições. As correntes de e-mail sobre pessoas doentes na África, ovos jogados em para-brisas, pesquisas científicas não recomendando vacinações, teorias da conspiração diversas, por exemplo, são exemplos de coisas que sempre são citadas em alguma roda de amigos e que de certa maneira se perpetuam.

Neste momento, temos que definir se acreditamos ou não em algo, mas sem saber os metadados já citados anteriormente. Temos que nos acostumar com uma história difícil de ser verificada e constantemente reescrita por qualquer um, como acontece por exemplo na Wikipedia e como foi prevista com toques apocalípticos por George Orwell em 1984. E na grande maioria das vezes, as pessoas optam por acreditar, antes de verificar, e repassar aquilo que ela acaba de começar a acreditar, em um processo que pode levar , a como se diz no ditado, fazer mentiras muitas vezes contadas se tornarem verdades.

Infelizmente, não consigo ver em um futuro próximo uma solução para esse problema. Uma eventual hierarquização do registro dos fatos e da criação de novas informações , que gerasse qualquer centralização, seria logo criticada e/ou contestada. Resta-nos a princípio, torcer para qualquer que sejam as mentiras e verdades divulgadas nos próximos dias, o povo saiba tomar a melhor decisão e nos conduzir a um futuro se não melhor, menos ruim.


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